Interpretando Padre Mello, nos primórdios de Bom Jesus do Itabapoana - capítulo 6
Dois documentos do século XIX, contradizem frontalmente a versão de Padre Mello, sobre a fundação do patrimônio do Senhor Bom Jesus entre 1857 e 1859
Na imagem acima, a Capela de Santa Rita retratada em 1875, e que foi erguida pelo Tenente Francisco das Chagas de Oliveira França em 1851. |
Em seus escritos, Padre Mello cita três versões diferentes sobre a constituição do Patrimônio do Senhor Bom Jesus, duas delas sob o mesmo contexto, diferenciando somente no número de fazendeiros que cotizaram a terras que foram doadas à paróquia. Inicialmente, no texto de apresentação do livro "Padre Mello, prosa e verso", Delton de Matos menciona na página 33 como seria o início do livro que Padre Mello pretendia escrever e publicar, que reportava na seguinte forma:
"O que mais importa naquela fase é a afirmação que foi o tronco ilustre Silva Pinto que doou o terreno do atual povoado de Bom Jesus. Bem o poderia ter feito e bem era ele capaz de o fazer sozinho, mas a doação foi realizada por outras nove pessoas, também importantes troncos de famílias que ainda constituem a base da sociedade bonjesuense. E foram eles os seguintes: José Rodrigues Costa, José Carlos de Campos, Jacob Furtado de Mendonça, Antônio Teixeira de Siqueira, Manoel Rodrigues Costa, José Teixeira de Siqueira, Francisco Teixeira de Siqueira, João Ignácio da Silva e Francisco Furtado Costa."
Observem que nesta versão apresentada por Delton de Matos, ele cita como fundadores do patrimônio do Senhor Bom Jesus o Alferes Francisco da Silva Pinto, e mais NOVE fazendeiros que ratearam com ele a doação das terras, ou seja, neste caso seriam DEZ os fundadores do patrimônio.
Na página 57 do livro, o texto de Padre Mello relaciona ONZE fazendeiros como os fundadores do patrimônio do Senhor Bom Jesus:
1-Francisco Furtado Costa, 2-José Rodrigues da Costa, 3-João da Costa Soares, 4-João Ignácio da Silva, 5-Antônio Teixeira de Siqueira, 6-Francisco Teixeira de Siqueira, 7-José Teixeira de Siqueira, 8-Francisco José Borges, 9-José Carlos de Campos, 10-Jacob Furtado de Mendonça e 11-Manoel Furtado Costa.
Neste mesmo capítulo, na página 55, ele considera a hipótese de serem DOZE os fundadores, visto existir uma possibilidade de Antônio José Borges também ter participado do rateio das terras. Não obstante, em nenhuma dessas versões, seja a dos "onze fundadores" ou dos "doze fundadores", consta o nome do Alferes Francisco da Silva Pinto entre os cotistas do parimônio do Senhor Bom Jesus.
O motivo que desencadeou este movimento entre os onze ou doze fazendeiros fundadores do patrimônio, segundo Padre Mello teria se dado mediante a inesperada chegada de Francisco José da Silva em 1857, conhecido como "Neném Filho", que viria a ser o filho de Antônio José da Silva Neném, e que postulava receber uma quantia astronômica pelos terrenos que ele afirmava ser de seu falecido pai, uma pequena área na região central de Bom Jesus do Itabapoana, que segundo informado pelo próprio Padre Mello, suas medidas atingiriam no máximo uns dois alqueires de terra.
Em seus escritos, Padre Mello ainda cita que ao ir embora de Bom Jesus para Santa Luzia em Apiacá, Antônio José da Silva Neném teria declarado "aos vizinhos" que doaria as terras ao Patrimônio do Senhor Bom Jesus, mas, quem seriam esses "vizinhos"? Somente haviam em seu entorno o Alferes Francisco da Silva Pinto, Tenente Francisco das Chagas de Oliveira França, e na margem capixaba do rio Itabapoana, o Coronel José Dutra Nicácio, cunhado do Alferes.
Padre Mello ainda conclui que, a fundação do patrimônio iniciou-se em 1857 e foi consumada em 1859, com a formalização da doação dos terrenos à Igreja Católica, na época à Paróquia de Nossa Senhora de Natividade, por outro lado, no blog "Fábrica de Inspirações", do memorialista Antônio Soares Borges, temos dois DOCUMENTOS históricos (AQUI) que contradizem essas versões de Padre Mello.
Em novembro de 2022, Antônio Soares Borges publicou um artigo que desvendava a qual "Senhor Bom Jesus" devia-se a devoção dos fundadores do patrimônio, por certo que não o Senhor Bom Jesus do Itabapoana, pois não havia devoção a esta denominação na época, e sim ao "Senhor Bom Jesus dos Mathosinhos", muito disseminada nas regiões de Minas Gerais de onde partiram esses desbravadores a partir de 1822.
O detalhe que desmonta a versão de Padre Mello, se dá no fato de termos DOCUMENTADO o registro de porpiedade das terras do Patrimônio do Senhor Bom Jesus dos Mathosinhos ao menos desde 1855, DOIS ANOS ANTES da controversa chegada de Neném Filho. Restando inverossível sustentar tal versão ao analisarmos que entre esses fazendeiros, praticamente a metade detinham patentes militares e milícias armadas, em um período em que se tratava de "terra de ninguém", onde as autoridades eram os "capitães, coronéis, tenentes e alferes" que constituiam esses desbravadores.
Certamente que Neném filho seria fuzilado, ao cobrar por terrenos que já estavam FORMALMENTE declarados em cartório paroquial, serem pertencentes ao Patrimônio do Senhor Bom Jesus dos Mathosinhos, ele pretendendo receber como se fossem de seu falecido pai.
Tudo leva a versão que o Patrimônio do Senhor Bom Jesus dos Mathosinhos foi constituído em 1852, no mesmo ano da construção da Capela de Santa Rita, tendo inclusive o primeiro casamento da história de Bom Jesus do Itabapoana realizado em 1852, entre o Carlos Rodrigues Firmo e Maria Magdalena de Figueiredo, filha do Alferes Francisco da Silva Pinto, em cerimônia realizada pelo Padre Germano Gonçalves da Silva Xavier, fundador do arraial de Santo Antônio da Liberdade, e primeiro capelão de Bom Jesus do Itabapoana, que vem a ser sobrinho-neto do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiredentes.
Como Padre Mello não se atentou na fundação do Patrimônio do Senhor Bom Jesus dos Mathosinhos? Em suas quase sessenta páginas sobre os primórdios de Bom Jesus do Itabapoana, ele não cita em momento algum sobre aquilo que já estava documentado desde 1855. O que nos leva a conclusão que sua pesquisa não foi tão aprofundada como deveria, primeiro com um número muito reduzido de entrevistados, e com uma versão impossível de se concretizar no período narrado.
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