O retrocesso de apagar o legado de Amaral Peixoto, para dar lugar a um conto do vigário

É lamentavelmente equivocada, a campanha promovida pelo jornal O Norte Fluminense pela instalação de um monumento alusivo a uma história comprovadamente mal contada, e pior, além de tornar um conto do vigário como algo “monumental”, ainda teremos como consequência o retrocesso de se apagar o legado de um personagem indiscutivelmente relevante na história de Bom Jesus do Itabapoana, o Almirante Ernani do Amaral Peixoto.

O governador/interventor Amaral Peixoto não foi apenas o chefe de governo a assinar o decreto de emancipação política e administrativa de Bom Jesus, em 14 de dezembro de 1938, ele tinha profundos laços de amizade com dois personagens também indiscutivelmente relevantes na história de Bom Jesus do Itabapoana, Roberto Silveira, no qual Amaral Peixoto foi padrinho de casamento, e Zezé Borges, que além de ter nomeado como prefeito em 1939, o almirante era amigo pessoal do primeiro prefeito de Bom Jesus do Itabapoana. 


A imagem que ilustra este manifesto, que foi extraída do blog do jornal O Norte Fluminense, é do encontro de Zezé Borges (na direita) com Amaral Peixoto (na esquerda) aqui em Bom Jesus do Itabapoana na década de 1970, no aniversário de oitenta anos de seu amigo e ex-prefeito de Bom Jesus por dois mandatos, estando Amaral Peixoto já aposentado de suas atividades diplomáticas que assumiu depois que deixou o governo do estado do Rio de Janeiro, em 1955, com sua vinda se dando exclusivamente para celebrar o aniversário do amigo bom-jesuense.


A proposta do diretor do jornal "O Norte Fluminense", dr. Gino Bastos, a qual tenho profundo respeito e admiração por seu legado cultural, é redondamente equivocada, nesta empreitada não há como concordar em criar um monumento homenageando os doze fazendeiros que Padre Mello listou como fundadores do Patrimônio do Senhor Bom Jesus a partir de 1857, quando supostamente surgiu no arraial um filho de Antônio José da Silva Neném, cobrando desses doze fazendeiros uma quantia que equivaleria a uma fazenda de duzentos alqueires, por uma área com aproximadamente um alqueire.


  • Primeiro; é totalmente inverossímil que, em meados do século XIX, uma pessoa desarmada e só seria capaz de intimidar doze fazendeiros, dentre esses detentores de patentes militares da Guarda Nacional com suas milícias armadas, e receber por uma porção de terras no qual ele não tinha documento em 1857, conforme relato de padre Mello. No mínimo este cidadão seria alertado a ir embora, sob risco de ser executado em praça pública caso insistisse em cobrar aquilo que não era devido.
  • Segundo; pelo menos desde 1855 que a área central que Padre Mello afirmava ser de Antônio José da Silva Neném, já pertencia ao Patrimônio do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, se mantendo com esta denominação e devoção até 1860, conforme documentos históricos pesquisados por Maria Cristina Borges e publicados por Antônio Soares Borges. Porque o Padre Mello jamais fez qualquer menção ao patrimônio do Senhor Bom Jesus de Matosinhos?
  • Terceiro; os colonizadores Francisco José Borges, Antônio José Borges, João Ignácio da Silveira, e o Capitão José Carlos de Campos só chegaram em Bom Jesus entre 1859 e 1860, se tornando ainda mais inverossímil a versão de padre Mello, que afirma que os doze fazendeiros cotistas ratearam o valor de um conto e cem mil réis em 1857, sendo que quatro desses fazendeiros só chegaram aqui a partir de 1859.


O movimento articulado entre esses doze fazendeiros se deu no início do processo de fundação da paróquia do Senhor Bom Jesus do Itabapoana entre 1860 e 1861, que se consumou em 14 de novembro de 1862, com os cotistas adquirindo as terras do Alferes Francisco da Silva Pinto, que segundo relato de Manoel Basílio Furtado, quando esteve aqui em 1873, afirmando que:


"A povoação do Senhor Bom Jesus foi começada nos anos de 1847 e 1850, e DEVE sua FUNDAÇÃO e o melhoramento do que hoje goza, à generosidade do Sr. Alferes Francisco da Silva Pinto, pai do comendador Carlos Pinto de Figueiredo, que com ALGUNS parentes e amigos, comprou o território necessário para situação e lougradouro, e cedeu grátis ao público".


Um detalhe, Manoel Basílio Furtado ficou hospedado na fazenda Fortaleza, atualmente Iurú e Usina Santa Isabel, que era de propriedade do Capitão José Carlos de Campos, um dos doze fazendeiros cotistas. A versão de Basílio Furtado pode ter sido tomada através de depoimento do próprio Alferes Silva Pinto, que era vivo em 1873, e confirmada pelo capitão Jose Carlos de Campos. Outro detalhe é que Manoel Basílio Furtado residia na mesma cidade de onde veio Antônio José da Silva Neném, Rio Novo-MG.


É fato que o Patrimônio do Senhor Bom Jesus de Matosinhos foi instituído em 1850, que foi o ano que o Alferes Francisco da Silva Pinto se mudou da Barra do Pirapetinga para Bom Jesus, além de coincidir com a versão dada ao Padre Mello por Antônio Santos Lisboa em 1902, em que ele afirmava que a fundação do patrimônio se deu em 1851 com o Alferes Francisco da Silva Pinto e os irmãos José Rodrigues Costa e Francisco Furtado Costa (AQUI).


O fato de padre Mello não ter incluído o Alferes Silva Pinto entre os fundadores do patrimônio do Senhor Bom Jesus do Itabapoana, é o indício que foi ele quem recebeu a quantia, muito provavelmente que a influência açoriana de seis, dos doze cotistas, levou a mudança da devoção, deixando de ser o patrimônio do Senhor Bom Jesus de Matosinhos para Senhor Bom Jesus do Itabapoana, cultuando a devoção ao Divino Espírito Santo.


É possível que tenha havido algum desentendimento neste processo de fundação da paróquia, pois foi no ano de 1860 que padre Germano Gonçalves da Silva Xavier foi embora de Bom Jesus, cuja versão que temos é que ele teria adoecido, mas ele poderia se tratar aqui, ou até mesmo alegado tal problema para não externar uma possível contrariedade com a mudança ocorrida na devoção do patrimônio, no qual ele foi o primeiro capelão pelo menos desde 1852.


A história oficial de Bom Jesus do Itabapoana é a que padre Mello relatou, com os equívocos acima abordados e com a relevante omissão sobre o primeiro patrimônio constituído em Bom Jesus, e esta versão precisa ser revista, cabendo a comunidade acadêmica junto com o conselho municipal de cultura e de preservação patrimonial, debruçarem sobre os documentos encontrados nos últimos anos, que nos dão provas suficientes para contraditar a versão que prevalece oficialmente.


Sobre o monumento, Padre Mello tentou erguer em 1942 e não teve apoio do então prefeito Zezé Borges, que era neto de um dos doze cotistas. Talvez Zezé Borges sabia dos equívocos contidos no "conto do vigário”.


Para pacificar a peleja, eu já sugeri a criação de vinte e três estatuetas para ornamentarem a praça Governador Portela, no lugar daquelas bolas de concreto (AQUI), simbolizando não só os doze fundadores da paróquia do Senhor Bom Jesus, mas também aqueles que desbravaram o município em toda sua extensão, como os fundadores de Calheiros, Rosal e Pirapetinga, o padre Germano e o Tenente Francisco das Chagas de Oliveira França, que concebeu o primeiro logradouro público, na construção da primeira capela e instalação do primeiro cemitério.


A desordem existente na praça Amaral Peixoto, é problema que não se resolve erguendo monumento e sim com intervenção pública no espaço, podendo instalar um quiosque com informações turísticas, manutenção de feiras de artesanatos e agroecológicas, ou espaço para apresentações musicais.


Abaixo temos três documentos históricos, que desmontam a versão oficial narrada por padre Mello:



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