Interpretando Padre Mello, nos primórdios de Bom Jesus do Itabapoana-RJ | capítulo 8

Além das três versões abordadas no capítulo 6 desta série de artigos (AQUI), Padre Mello ainda relata uma quarta versão, no qual ele mesmo desconsidera ser a verdadeira origem da fundação do Patrimônio do Senhor Bom Jesus, mas nela, ele nos dá nossa história, mesmo que involuntariamente, ou a contragosto

Nas páginas 42, 45 e 49 do livro "Padre Mello, prosa e verso", ele cita a versão que ouviu do português Antônio Santos Lisboa, entrevistado em 1902 aos 88 anos, no qual ele relata que chegara em Bom Jesus em 1850, e que onde se desenvolveu o povoado ainda estava completamente coberto pela mata e foi roçado e cultivado por ele, exceto um terreno que estava com uma residência em construção, no caso a do Alferes Francisco da Silva Pinto, concluindo ainda que "Neném" já havia ido embora, sem afirmar ou sequer cogitar que as terras pertenciam a ele, Antônio José da Silva Neném.

O "Velho Lisboa" ainda relatou para Padre Mello que, em 1851 chegaram os irmãos José Rodrigues Costa e Francisco Furtado Costa, afirmando que "foram esses homens e o Alferes Francisco da Silva Pinto que doaram os terrenos", no caso para a fundação do patrimônio. Atentem-se no período narrado por Antônio Santos Lisboa, entre 1850 e 1851 que se deu a povoação e fundação do patrimônio, se encontrando com a cronologia da construção da Capela de Santa Rita, ocorrida entre 1851 e 1852.

Importante ressaltar que em um trabalho de pesquisa historiográfica, as referências prioritárias para se consturir a história ocorrida em tempos muito remotos, são os DOCUMENTOS, sejam os oficiais cartorários ou livros escritos por testemunhas oculares, ou quando os autores se informaram com personagens centrais do enredo em período o mais proximo possível dos fatos narrados.

Neste caso recorro ao preciosíssimo livro "Itinerário da Freguezia do Senhor Bom Jesus do Itabapona à Gruta das Minas do Castelo" (AQUI), escrito pelo médico e naturalista Manoel Basílio Furtado, que esteve aqui ao menos em duas ocasiões, em 1860 e em 1873, e foi nesta segunda passagem expedicionária dele que resultou no livro, escrito em 1875 e publicado em 1884.

Não há o que discutir dentro da ciência historiográfica, sobre o peso e relevância do livro de Basílio Furtado frente a pesquisa de Padre Mello, ocorrida quase trinta anos depois da passagem do naturalista, que ficou por aqui por quase três meses no primeiro semstre de 1873, e fez um minucioso levantamento sobre todos os aspectos de Bom Jesus e a bacia do rio Itabapoana, e neste levantamento, ele afirma que: 


"A povoação do Senhor Bom Jesus foi começada nos anos de 1847 e 1850, e DEVE sua FUNDAÇÃO e o melhoramento do que hoje goza, à generosidade do Sr. Alferes Francisco da Silva Pinto, pai do comendador Carlos Pinto de Figueiredo, que com ALGUNS parentes e amigos, comprou o território necessário para situação e lougradouro, e cedeu grátis ao público".


Observem senhoras e senhores, que a versão dada por Manoel Basílio Furtado vai ao encontro com a do português Antônio Santos Lisboa, pois propositalmente utilizei a caixa alta em negrito em alguns tópicos no texto de Basílio Furtado para depsertar a atenção, destacando que o povoamento se deu a partir de 1847, que Alferes Silva Pinto foi quem fundou o patrimônio do Senhor Bom Jesus dos Mathosinhos entre 1847 e 1850, e que junto com "ALGUNS parentes e amigos", o que significa poucas pessoas e não um GRUPO de onze ou doze CASAIS, que compraram os terrenos e doaram para o público se instalar no povoado.

Podemos assim concluir que entre alguns parentes do Alferes Silva Pinto estejam seus filhos mais velhos, o Comendador Carlos Pinto de Figueiredo e o Alferes Francisco de Assis Pinto de Figueiredo, e os amigos seriam os irmãos José Rodrigues Costa e Francisco Furtado Costa. O vendedor dos terrenos, sem dúvidas que foi o Tenente Francisco das Chagas de Oliveira França, que construiu a Capela de Santa Rita, e doou a área para instalar o primeiro logradouro público de nossa história, o "Alto Santa Rita", composto pela capela o largo em frente a ela e o cemitério.

O próprio Padre Mello relata na página 42, sobre as terras que o Alferes Francisco da Silva Pinto comprara do Tenente Chagas em 1850, mas ele não contextualiza que Silva Pinto não precisava comprar nenhuma propriedade de ninguém para se estabelecer em qualquer lugar de Bom Jesus, pois quase toda extensão territorial do município pertencia a ele, coforme existe diversos registros cartorários com o Alferes Silva Pinto vendendo fazendas para diversos desbravadores, portanto, as "terras" que Silva Pinto comprou do Tenente Chagas,  certamente que são os 38 alqueires destinados para fundação do patrimônio do Senhor Bom Jesus dos Mathosinhos.

Saliente-se que os 38 alqueires doados para o Patrimônio do Senhor Bom Jesus dos Mathosinhos, abrangeu majoritáriamente a área que antes pertencia ao Tenente Chagas, que margeava toda extensão da avenida Tenente José Teixeira até o valão do Odilon Diniz, alcançando até a região do Bom Jardim, incluindo ai a Serra do Tardin.

Os demais personagens relacionados por Padre Mello, certamente que participaram da constituição do Curato do Senhor Bom Jesus em 1859, e posteriormente na fundação da Paróquia do Senhor Bom Jesus do Itabapoana em novembro de 1862, mas, a origem do patrimônio do Senhor Bom Jesus está embasada com o relato histórico de Manoel Basílio Furtado, e com o depoimento de Antônio Santos Lisboa, que Padre Mello desconsiderou.

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