Expedição Limeira - o passado bom-jesuense em território campista

A Cinemateca Itabapoana TV, apresenta aquela que talvez seja a mais fascinante, de todas as expedições históricas já realizadas por este ativista, vamos juntos conhecer um sítio arqueológico formidável, que apesar de se localizar em território campista, nos limites de Santo Eduardo, a história do Porto de Limeira se concentra exclusivamente no desenvolvimento de Bom Jesus do Itabapoana, e este aspecto talvez seja o grande impeditivo de se instalar um grande museu a céu aberto, para visitações turísticas neste local, que te faz retornar no tempo até 1860.


O sítio arqueológico de Limeira está distante há aproximadamente trinta quilômetros de Bom Jesus do Itabapoana, e o percurso de acesso se dá pela rodovia ES 297, que liga Bom Jesus do Norte a Ponte do Itabapoana, nesta primeira parada me encontrei com o guia que me sugeriu a expedição, o amigo Sirlan Gonçalves, ou Sirlan Cowboy, nascido em uma propriedade no sopé da Pedra do Garrafão e atualmente residente em Espírito Santinho. Nos encontramos no antigo posto fiscal e seguimos em nossa viagem, para um pouco depois do vilarejo de Ponte do Itabapoana temos a direita o acesso a antiga corredeira da Gabiroba, atualmente o acesso para a PCH Pedra do Garrafão, e para a comunidade de pescadores de Limeira, tudo na margem capixaba do rio Itabapoana.


Os índios Coroados, a denominavam como "Pedra Camapoan", já o homem branco denomina como "Pedra do Garrafão"


Chegando no local que esperávamos ter condições de travessia a pé por um braço estreito do rio Itabapoana, nos deparamos com o rio bem cheio, o que nos levou a procurar por um pescador da vila de Limeira para nos conduzir de bote ou lancha a motor até as ruínas, e para nossa expedição ganhar contornos aventurescos, não havia nenhum pescador presente no momento, porém, um senhor que estava ocupado com a sua rede, nos disponibilizou uma pequena canoa de pescaria para que Sirlan me conduzisse na travessia do rio, em um trecho com mais de 150 metros de largura que me rendeu momentos de pura contemplação e interação direta com majestoso Itabapoana em sua calmaria na planície.


É indescritível, a sensação que me causou mediante a mais antiga ruína dos primórdios bom-jesuense, só restando agradecer ao amigo Sirlan Gonçalves, pela disponibilidade em me guiar até este sítio arqueológico, no qual já vinha planejando esta expedição há alguns anos. E este registro é o que faltava na construção da história de Bom Jesus do Itabapoana no século XIX.




Sobre o Porto de Limeira, não se tem a informação precisa de quando ele foi construído, o que temos são registros históricos noticiando a construção do porto na década de 1850, e pela complexidade da estrutura e pelas enormes dificuldades logísticas da época, poderia ter levado até dez anos para sua obra ser concluída, no qual temos o primeiro pedido de autorização para explorar a navegação comercial no rio Itabapoana em 1861, podendo então presumir que a obra se concluiu em 1860.


A autorização de exploração de navegação por cabotagem doméstica no rio Itabapoana só foi consumada em maio de 1864, pois o grande entrave do processo estava nas condições precárias da estrada que ligava a vila de Limeira do Itabapoana até Barra do Pirapetinga, que somente depois de investido em melhorias nesta rota dos tropeiros, é que o governo imperial concedeu a autorização, aos sócios Comendador Carlos Pinto de Figueiredo, filho mais velho do Alferes Francisco da Silva Pinto, e o Major Eduardo Joaquim Pereira de Oliveira, com o processo tramitando na província de Minas Gerais, que mediou os interesses das provìncias do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. 


A expectativa de êxito na instalação do Porto de Limeira foi tamanho, que o governo da freguesia de São João da Barra postulava a apropriação do porto quando ainda estava em construção no ano de 1856, mas no final o empreendimento ficou mesmo sob a gestão e os interesses do desenvolvimento econômico do Vale do Itabapoana e da Zona da Mata Mineira.


Pequena embarcação a vapor, utilizada em navegação nos rios do Brasil na segunda metade do século XIX


A operação do Porto de Limeira consistia no transporte de passageiros entre Limeira e São João da Barra, com duração de três horas e meia conforme registro histórico pesquisado, e no transporte de carga no percurso de sessenta quilômetros do rio Itabapoana até a foz, rebocando balsas com café e madeiras nobres para o Porto de Barra do Itabapoana, tendo também registros que a embarcação a vapor utilizada no empreendimento rebocava navios na foz do rio Itabapoana até o mar.


O porto de Limeira foi preponderante no desenvolvimento econômico de Bom Jesus do Itabapoana nas décadas de 1860 a 1880, tendo registros históricos que narram o primeiro piano que chegou em Rosal, por volta de 1865, que veio da capital da província do Rio de Janeiro até o Porto de Limeira, sendo conduzido por carro-de-boi até Barra do Pirapetinga e de lá levado pelas mãos dos escravos, por não haver estrada aberta a partir do citado vilarejo, bem como Delton de Mattos narra que o casarão da Serra do Tardin foi edificado com pedras, e usado como argamassa o óleo de baleia vindo do Porto de Limeira.


A área atendida pelo porto restringia a Bom Jesus do Itabapoana e a região no entorno da serra do Caparaó em Minas Gerais e Espírito Santo, como atesta o registro histórico de que o porto atendia as propriedades rurais do médio e alto Itabapoana, salientando ainda que um dos sócios era personagem diretamente envolvido no desenvolvimento de Bom Jesus, além de ser sobrinho do então deputado da província de Minas Gerais, Afonso Celso D’assis Campos de Figueiredo, por ser muito influente ao governo imperial, sua atuação foi protagonista na tramitação do processo de autorização de exploração do rio Itabapoana para navegação comercial.


Mapa de 1892, mas com cartografia da década de 1880, com a rota dos tropeiros partindo da região do Alto-Itabapoana e norte da Zona da Mata mineira, descendo pelo Médio-Itabapoana, e com destino a Limeira do Itabapoana

As atividades do porto de Limeira se encerraram entre 1886 e 1887, operando pelo desenvolvimento do Vale do Itabapoana por mais de vinte anos, só entrando em declínio a partir da operação da Estação Ferroviária de Santo Eduardo, gerida pela Leopoldina Railway Company Ltda.


Fragmentos dos relatos de Manoel Basílio Furtado, que esteve em Bom Jesus do Itabapoana entre março e julho de 1873, em sua expedição às minas da Gruta do Castelo/ES


Observem que o porto de Limeira teve sua obra iniciada na década de 1850, podendo ser na primeira metade, exatamente no mesmo período em que o Alferes Francisco da Silva Pinto e demais desbravadores mineiros edificaram os primeiros imóveis de alvenaria e a primeira capela no arraial do Senhor Bom Jesus, com os processos de institucionalização o arraial sendo elevado à condição de curato em 1860 e de freguesia em 1862, no mesmo período de conclusão da obra do porto e do início do processo de autorização para explorar a navegação no rio Itabapoana, o que nos leva a constatar que a fundação de Bom Jesus do Itabapoana foi planejada e empreendida de maneira visionária e arrojada e arrojada.


Ainda explorando as ruínas do Porto de Limeira, conseguimos identificar vestígios de estruturas do centro comercial e administrativo que existia no porto, mas em um perímetro de aproximadamente cem metros quadrados por trás do paredão de pedra, podendo os demais vestígios estarem totalmente encobertos pela vegetação.


Seguimos nos afastando do rio Itabapoana em direção a mata, em um acesso que nos atraía como se fosse uma trilha, provavelmente ali existe algum caminho de pedras oculto pelas ações do tempo, mas que impediu a proliferação da vegetação, fazendo com que depois de um pouco mais de cem metros de caminhada, chegarmos nas ruínas da extinta Vila de Limeira do Itabapoana, onde havia casas, capela, cemitério, e estabelecimentos comerciais como farmácia e armazém.




Não há nenhuma informação, ao menos de conhecimento geral, sobre o surgimento da Vila de Limeira do Itabapoana, não se sabe qual ou quais famílias que desbravaram e edificaram o povoado, podendo ser remanescentes da grande Fazenda Muribeca, que se localizava abaixo da região de Limeira, e que ao menos até 1815 era a única referência de empreendimento nesta região, ou mesmo pessoas levadas pelo Comendador Carlos Pinto de Figueiredo visando o povoamento no local onde futuramente ele empreenderia no porto, pois é sabido que o vilarejo surgiu antes do empreendimento, mas somente se desenvolveu por influência do início da operação em 1864, e que a mesma comunidade entrou em declínio a partir da desativação do porto.


A esquerda, o mapa das capitanias hereditárias, com a Capitania de São Tomé em destaque, e a direita, o Capitão de Armada Pero de Góis, donatário da capitania que durou de 1545 a 1548.

É importante retornarmos no tempo, mais precisamente no século XVI, no ano de 1545, quando Pero de Góis iniciou o desbravamento da Capitania de São Tomé, que compreendia em uma gigantesca área que iniciava no rio Macaé até o rio Benevente, ou Geritigbá, em Anchieta-ES, sendo que neste período a Capitania do Espírito Santo, de Vasco Coutinho Fernandes, iniciava a partir do rio Benevente até a divisa com a Bahia. No sentido oposto do oceano, o território da Capitania de São Tomé adentrava no interior até a nossa região noroeste fluminense, sendo que Pero de Góis iniciou seu desbravamento pelo rio Itabapoana, na época identificado por ele como Managé, e subiu dez léguas pelo rio e por terra, até chegar na primeira cachoeira com queda de sessenta palmos, aproximadamente doze metros de altura e nela instalou um engenho hidráulico, no caso, a extinta cachoeira da Garças onde hoje está a barragem da PCH Pedra do Garrafão, um pouco acima das corredeiras da Gabiroba, que fica uns três quilòmetros acima da Vila de Limeira do Itabapoana.


Pero de Góis instalou um vilarejo no litoral de São Francisco de Itabapoana, próximo a foz do rio Itabapoana, a Vila da Rainha, e sua comitiva não contava com mais do que trinta pessoas, entre seus auxiliares mais próximos até os escravos e escravas, portanto, é fora de cogitação considerar a hipótese da Vila da Rainha ter dois núcleos, o que ele tinha no interior era o engenho e a plantação de cana, onde deveria se estabelecer os escravos e feitores, e na vila ele vivia com seus capatazes, escravas e familiares.


Fragmento do artigo "Memórias do Itabapoana", do professor e historiador ambiental Arthur Sofiatti.


A capitania de São Tomé durou apenas três anos, em 1548 ela foi devolvida a Coroa Portuguesa pela inviabilidade do local, mediante ao baixo contingente disponível para desbravamento da região, a hostilidade dos índios Goytacazes, que resultou em um motim entre sua comitiva. A Capitania de São Tomé somente foi distribuída parcialmente para desbravamento e exploração em 1627, com a concessão a região sul de Campos dos Goytacazes sendo divida entre os “Sete Capitães, e a região norte, próxima a divisa com o ES ficou abandonada até o final do século XVIII, quando foi instalada a Fazenda Muribeca. Portanto, não existe relação alguma entre a Vila da Rainha de Pero de Góis e a Vila de Limeira do Itabapoana.


Antes de partirmos de volta, retornamos à margem do rio Itabapoana, uns duzentos metros abaixo do paredão do Porto de Limeira, em busca de sinais sobre um outro achado arqueológico, que é um fragmento de uma embarcação, possivelmente uma balsa que naufragou e um pedaço dela está entranhado na margem do rio, no mesmo lado do porto, mas um pouco abaixo, mas somente é possível avistar este achado quando o rio Itabapoana está bem baixo, e no dia 27 de março ele estava bem cheio. No entanto, encontramos em um banco de areia um pedaço de prancha de madeira, com todas as características de ser um achado, pela espessura da peça única, e por ter sido talhada a mão, podendo ser um fragmento desta parte da embarcação que está entranhada na margem do rio, podendo ser um pouco acima de onde encontramos esta peça de madeira.






A expedição se encerra contemplando a exuberância do majestoso Itabapoana em sua planície, com um silêncio característico desta região, que nos faz revigorar na luta em sua defesa, e sobre a patrimônio histórico, ele somente será tratado com o devido valor, quando a sociedade cultural de Bom Jesus do Itabapoana levantar a voz, e propor a criação de um parque estadual das pedras, do Garrafão e do Mutum, para assim o poder público estadual investir no museu a céu aberto, na preservação ambiental do rio, e no investimento de se empreender no turismo histórico e ecológico na região, pois nenhuma voz de Santo Eduardo ou Campos dos Goytacazes se levantará pela revitalização deste sítio arqueológico, eles somente interessa a preservação do passado de Bom Jesus do Itabapoana.



No vídeo abaixo, você assiste a produção audiovisual, desta expedição arqueológica em Limeira do Itabapoana:

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