Interpretando Padre Mello, nos primórdios de Bom Jesus do Itabapoana | capítulo 5

Élcio Xavier estava certo, quando disse que "Padre Mello nos deu nossa própria história", equivocado foi quem tomou seus artigos como se ela, nossa história, estivesse pronta naqueles manuscritos publicados no jornal A Voz do Povo na década de 1930.

Padre Mello chegou em Bom Jesus do Itabapoana em junho de 1899, ele tinha 36 anos, e assim que se estabelecera no arraial, ele buscou informações acerca das origens do povoamento local, entrevistando as pessoas mais antigas que aqui residiam, em média eram septuagenários, octagenários ou até nonagenários, e a medida que ele obtinha informações ele anotava de maneira rascunhada. O próprio vigário português reconhece as dificuldades de se obter informações precisas, depois de passados mais de cinquenta anos dos fatos que ele buscava, e com as pessoas entrevistadas sendo idosas e com a memória comprometida.

As anotações resultantes das pesquisas e entrevistas realizadas por Padre Mello entre 1899 e 1900, ficaram guardadas até meados de 1930, quando ele decidiu organizar os relatos e escrever o livro sobre a história dos primórdios de Bom Jesus do Itabapoana, tendo anunciado a preparação e captação de recursos financeiros para o livro em novembro de 1930. Ele então iniciou a publicação de uma série de artigos que seriam os capítulos do livro a ser publicado, ele já estava com sessenta e seis anos, e havia perdido algumas anotações de trinta anos atrás.

Logo no início das publicações, ele deu uma pausa anunciada, no qual ele iria iniciar uma pesquisa sobre Phorfírio Nunes, pai do Coronel Elias Nunes, que desbravaram a Serra do Tardin, e neste período ele se adoeceu e não concluiu a pesquisa sobre os Nunes, e não retomou as publicações sobre os primórdios de Bom Jesus do Itabapoana, vindo retomar somente por volta de 1939, com setenta e cinco anos, visando o lançamento do livro no ano que ele considerava o centenário do início do povoamento de Bom Jesus do Itabapoana, 1942.

Além do lançamento do livro, Padre Mello postulava junto ao prefeito-interventor Zezé Borges, a criação de um monumento em homenagem aos doze desbravadores que fundaram o arraial do Senhor Bom Jesus, mas, ao que parece ele não teve adesão por parte do prefeito, e talvez de considerável parcela da sociedade, pois não houve um apelo ou clamor na defesa da criação deste monumento naquele período.

Fato é que, Padre Mello em seus artigos, que não chegaram a se converterem em um livro como ele planejava e desejava, nos oferece ricas informações e pistas históricas que nos auxiliam muito em nossa constante luta pela construção de nossas origens, e lamento em afirmar que Padre Mello se equivocou em suas conclusões, principalmente acerca do papel de Antônio José da Silva Neném na fundação do patrimônio do Senhor Bom Jesus, antes denominado como "Campo Alegre".


Para se ter uma ideia da disparidade contextual e histórica, a área que Padre Mello afirmou pertencer a Antônio José da Silva Neném no centro de Bom Jesus do Itabapoana, não atingia sequer dois alqueires de terra, e ele estava cercado de um lado pela Fazenda Barra do Pirapetinga que se extendia até o próxima ao centro de Bom Jesus com seissentos alqueires, a Fazenda Soledade que iniciava na parte alta da praça Governador Portela com cem alqueires, essas duas pertencentes ao Alferes Silva Pinto, além das propriedades do Tenente Francisco das Chagas de Oliveira França, genro do Alferes Silva Pinto com duzentos alqueires, e no outro lado do rio as terras do Coronel José Dutra Nicácio, cunhado do Alferes Silva Pinto. Como aceitar a veracidade que doze fazendeiros pagaram uma fortuna  de Um conto e cem mil réis por menos de dois alqueires de terra?

Importante considerarmos o contexto político conflituoso que resultou na vinda de dezenas desses desbravadores que originaram o Vale do Itabapoana, com a própria morte de Germano da Silva, filho de Neném, ter sido um assassinato cometido dentro das terras de Antônio Dutra Nicácio na Fazenda Monte Verde, em Bom Jesus do Querendo, nos levando a indagar se as pessoas narraram ao Padre Mello realmente o que ocorreu nos idos da década de 1840, com o detalhe dele ter conseguido entrevistar poucas pessoas, e mesmo as mais idosas. 

Ele poderia ter entrevistado pessoas mais novas como Pedro Gonçalves da Silva que chegou aqui em 1882, Coronel Luiz Vieira de Rezende em 1886, o próprio capitão José Carlos de Campos em 1899, e que chegara aqui em 1855. Talvez houvesse até desconfiança com esses velhos desbravadores mineiros que foram perseguidos por liberais portugueses em MG e de orientação política liberal, ter que detalhar seus passados a um jovem e estranho padre português.


A série de publicações sobre os manuscritos de Padre Mello, ganhará outros capítulos, com as devidas constestações históricas, e para que todos possam participar integralmente deste debate, você pode clicar AQUI e acessar e baixar, as conquenta e seus páginas do livro "Padre Mello, prosa e verso", de Delton de Mattos, onde separei o capítulo relacionado aos primórdios de Bom Jesus do Itabapoana.

Artigos relacionados:

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A população escravizada, nas regiões da bacia do Itabapoana e do Vale do Carangola, em 1873

Em "Açoites e Revoltas", uma região selvagem e violenta

Era um período, que até os padres andavam armados

O monumento, deveria homenagear 23 desbravadores

Uma obra formidável, que narra a história de quase todo Noroeste Fluminense

A primeira geração de bom-jesuenses, surgiu de dois casais

Oscarina Gonçalves, em 24 de março de 2022 | Dona Agripina! Minha bisavó,