Fazenda Matinhos - grande propulsora da economia do baixo-Itabapoana, nos séculos XIX e XX
A fazenda Matinhos foi fundada possivelmente na década de 1850, quando o ciclo da cana-de-açúcar avançou na região do baixo-Itabapoana, período ainda inexplorado, em um processo de expansão canavieira iniciado na década de 1840 por João Ferreira da Silva, o “João Alfaiate”.
O fundador da fazenda foi o português Manoel de Mattos, sendo vendida ainda no século XIX para Malvino Leite, passando para Pereira Nunes, Manoel Linhares Coutinho e para o português Manoel da Silva Motta, residente em Mimoso do Sul-ES. Possivelmente na década de 1920 a fazenda foi herdada por Lauro da Silva Motta, filho de Manoel, sendo neste período que ela se consolidou como uma das maiores potências econômicas das regiões norte e noroeste fluminense, chegando a ter mais de mil alqueires de terra pelo menos até meados da década de 1980. Atualmente a sede da fazenda pertence a Luciano de Souza Nunes.
Durante o período de Lauro Motta no comando da Fazenda Matinhos, esta chegou a contar com mais de seiscentos funcionários entre as trezentas e cinquenta famílias que residiam nos povoados existentes dentro das terras da propriedade. Apesar de iniciada no apogeu do ciclo da cana-de-açúcar, a fazenda ainda produzia arroz e mais de seis mil sacas de café por ano, além da pecuária leiteira e de corte, com essas atividades sendo mantidas até a década de 1980.
A produção de cachaça se deu ainda no período do português Manoel de Mattos, no qual ele tinha um filho alcunhado como “Mattinho”, daí a inspiração do pai em usar o apelido do filho como a marca da emblemática aguardente “Mattinho”, e a marca ganhou tamanha força que mesmo no período de Lauro da Silva Motta, entre as décadas de 1920 e 1980, o nome original foi mantido.
O fato da fazenda Matinhos ter tamanho poder econômico e abranger os territórios de Bom Jesus do Itabapoana, Campos dos Goytacazes e Itaperuna, fez de Lauro da Silva Motta uma das figuras mais influentes nesses três municípios, seja no âmbito político, social, ou da benemerência, destacando suas ações no campo da saúde pública para o Hospital São Vicente de Paulo, em Bom Jesus do Itabapoana, e a Santa Casa de Misericórdia em Campos de Goytacazes.
Os distritos de Serrinha, pertencente a Bom Jesus do Itabapoana, Boa Ventura, pertencente a Itaperuna, e Posse do Meio, pertencente a Campos dos Goytacazes, tiveram o início de seus povoamentos a partir da Fazenda Matinhos, pois todos eles se localizavam dentro dos limites da propriedade.
O período escravocrata
Uma peculiaridade observada em pesquisas sobre a escravidão nas regiões do médio e alto Itabapoana, está no baixo contingente de escravizados mesmo em grandes fazendas, reflexo do momento político vivido no Brasil Império a partir de 1860 quando a pressão internacional e os movimentos abolicionistas geravam grandes obstáculos no tráfico de escravizados.
A peculiaridade está no fato dos colonizadores que desbravaram os vales do Itabapoana, Carangola e Muriaé, utilizaram em grande escala a mão-de-obra os indígenas puris que viviam nesta região, e que foram aculturados por não serem agressivos, como os coroados e coropós, que também viveram nessas regiões no mesmo período.
No caso do uso da mão-de-obra dos indígenas puris, estes viviam nas fazendas, e a relação de trabalho se dava no escambo entre o serviço prestado pelo indígena que era pago com alimento e cachaça, sendo um dos fatores preponderantes que dizimou os indígenas que se tornaram alcoólatras, comprometendo a saúde e perdendo a capacidade de trabalho. A mesma prática pode ter sido adotada no baixo Itabapoana, conforme veremos mais adiante na abordagem sobre a senzala da fazenda.
Entre os anos de 1869 e 1873, a freguesia do Senhor Bom Jesus do Itabapoana, no qual a região da Fazenda Matinhos ainda não era do mesmo território, havia sessenta e nove fazendas e mil duzentos e noventa e oito escravizados, entre homens e mulheres, o que resultava em uma média de dezoito escravizados por fazenda.
Conjunto arquitetônico/histórico
Atualmente a Fazenda Matinhos conta com a sede, o alambique e uma pequena área no entorno do conjunto arquitetônico, com aproximadamente cinco alqueires. Das construções históricas existentes, temos edificações da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século XX, todas elas em bom estado de conservação.
Da segunda metade do século XIX
Nas edificações que compõem o antigo alambique da cachaça Mattinho, temos duas do século XIX, no caso a chaminé e o prédio que abrigava os grandes tonéis de carvalho no primeiro piso, e no segundo piso funcionou como senzala no final do período escravocrata brasileiro, sendo talvez a única fazenda da região em que a senzala é separada do casarão, com as demais fazendas pesquisadas tendo suas senzalas embaixo dos casarões.
Da primeira metade do século XX
No conjunto de edificações do alambique da cachaça Mattinho temos dois prédios erguidos na primeira metade do século XX, que são os localizados em cada lado da chaminé, onde funcionou a destilaria do alambique. Esses dois prédios foram erguidos no período de Lauro da Silva Motta, podendo mensurar que foi por mera substituição da antiga estrutura erguida no século XIX, que possivelmente se deteriorou, pois as duas edificações anteriores são pouco menores que as atuais.
O casarão
O atual casarão da sede da Fazenda Matinhos foi construído por Lauro Motta, possivelmente em meados da década de 1940, com dimensão e imponência plenamente condizente com a grandiosidade da fazenda naquele período, seu estilo arquitetônico em “Art Déco” lhe confere linhas assimétricas e o uso de ferro e madeiras nobres em sua construção.
O imóvel está em bom estado de conservação, e como todas as sedes de grandes fazendas, as dimensões de seus aposentos e recintos não amplas, contando no segundo piso com varanda panorâmica frontal, e atrás e no primeiro piso temos a estrutura operacional e de funcionários, além da área de lazer com varanda coberta e piscina, contando com grande área gramada e arborizada em todo entorno do casarão.
Outro aspecto relevante a ser destacado no casarão, são os momentos históricos vividos neste imóvel octogenário, reuniões e decisões políticas relacionadas à três municípios, festas populares, e até mesmo como uma espécie de “colônia de férias” na década de 1950, quando alunas do internato de Campos dos Goytacazes visitaram e se hospedaram na fazenda no período de férias.
Encerrando a abordagem sobre o conjunto histórico/arquitetônico da Fazenda Matinhos, temos a banqueta de manejo hídrico também construída no período de Lauro Motta, possivelmente na década de 1940, e que até hoje conta com excelente volume de água no curso da estrutura, aliás, cabe também salientar dentro do campo dos recursos hídricos da fazenda, a existência de um grande lago atrás do casarão.
O Museu da Cachaça
No campo da memória cultural, a Fazenda Matinhos teve como projeto piloto entre 2015 e 2017 a criação do “Museu da Cachaça”, utilizando um dos prédios da destilaria como espaço cultural, com exposição permanente de artefatos antigos que narram a história da fazenda, não só na produção de aguardente, bem como todas as demais atividades da propriedade desde o século XIX. Infelizmente por falta de interesse do poder público, e a inexistência dos editais para fomento de cultura na época, o projeto foi descontinuado, porém, nada impede de ser reativado com novo formato visual.
Nos anos de 2015 e 2016 o Museu da Cachaça da Fazenda Matinhos fez parte do circuito cultural Arte Entre Povos, levando grupos de pessoas de diversas partes do país e da América Latina em cidades que faziam parte do circuito, e a atmosfera cultural vivida por todos que participaram, foi indescritível.
O potencial turístico se verifica em diversos fatores que se associam à riqueza histórica e arquitetônica da Fazenda Matinhos, com inúmeros atrativos ainda inexplorados e explorados na região, podendo abranger entre as comunidades de Carabuçu, distrito de Bom Jesus do Itabapoana, e aproximadamente 20 km da fazenda, e Santo Eduardo, distrito de Campos dos Goytacazes, também a aproximadamente 20 km da fazenda. Em Carabuçu temos as serras de altitude do Jacob e do Valinho, com grande frequência de praticantes de voo livre, inclusive sendo realizado anualmente um grande encontro na festa de Carabuçu, em meados de julho.
Na região de Santo Eduardo temos o rio Itabapoana como grande atrativo, seja para os apreciadores da pesca esportiva ou os que buscam a história através de sítios históricos, como no entorno da Pedra do Garrafão na região da Gabiroba, e nas ruínas do porto pluvial e da vila de Limeira do Itabapoana. A região ainda conta com um considerável acervo de monumentos naturais rochosos, destacando a Pedra do Mutum, ou Pedra da Baleia, na comunidade de Mutum de Baixo, distrito de Bom Jesus do Itabapoana, e a Pedra Lisa, localizada entre Espírito Santinho e Morro do Côco, pertencente a Campos dos Goytacazes.
Sobre o entorno da Pedra do Garrafão: https://youtu.be/Rxc0qaULH3I
Sobre as serras, do Jacob em Carabuçu e Capitinga em Boa Ventura: https://youtu.be/WBXYrpkddNw
Agregando valor às potencialidades até aqui apresentadas, ainda cabe destacar a riqueza cultural manifestada em diversas comunidades no entorno da fazenda, através das tradicionais festas dos distritos que ocorrem durante o outono e o inverno, como as festas da Serrinha, Usina Santa Maria, Santo Eduardo, Santa Maria de Campos, Espírito Santinho, e Carabuçu, consolidada como a maior de todas nos últimos anos.
Sobre a tradicional Festa de Carabuçu, em 2025: https://youtu.be/s8ShfICi-KU
A região Serrana de Bom Jesus do Itabapoana é uma referência a seguir, já está consolidada como principal destino turístico da região noroeste fluminense e no Vale do Itabapoana, com a instalação de inúmeros estabelecimentos turísticos de variadas modalidades, que atraem enorme público nos finais de semana vindos das regiões norte, noroeste fluminense e sul capixaba, com visitantes de Cachoeiro do Itapemirim, Campos dos Goytacazes, Italva, Cardoso Moreira, Itaperuna, principalmente, totalizando um público consumidor potencial de mais de um milhão de habitantes nesses municípios.
Boa parte desses visitantes passam pelas rodovias que dão acesso à Fazenda Matinhos, a RJ 230 e a BR 356, podendo também atrair este mesmo público a explorar o turismo no entorno onde está localizada a fazenda.
Temos ainda que considerar outros fatores que podem contribuir no desenvolvimento turístico da região, como o crescimento do Hospital São Vicente de Paulo, que se tornou referência regional atraindo pessoas que passarão pela sinalização turística da fazenda, bem como o curso de medicina da Famesc, que já conta com alunos vindo de todas as partes do país. E todo este contexto envolve a necessidade de oferecer entretenimento para este público.



















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