O maior equívoco político da historia de Bom Jesus do Itabapoana, em 1890

 Em novembro de 1889, com a consumação do golpe da república, oficialmente denominado como a “Proclamação da República”, tivemos desdobramentos em praticamente toda região noroeste fluminense, com o surgimento de diversos movimentos emancipatórios a partir de então.

A euforia tomou a atmosfera em todo país, não sendo diferente em Bom Jesus do Itabapoana, no qual tivemos diversos integrantes da família Boechat de Pirapetinga se manifestando através de telegramas enviados ao Marechal Deodoro da Fonseca, o presidente nomeado. O Tenente José Teixeira promoveu três dias de festas em sua residência, sendo realizado entre esses dias o “Baile da República”.

Saindo da euforia coletiva pela implantação da república, as lideranças bom-jesuenses ingressaram na precipitação coletiva visando o processo emancipatório da freguesia, valendo-se da influência política de Pedro Gonçalves da Silva Júnior com o novamente deputado Leônidas Peixoto de Abreu Lima, e este por sua vez amigo de longa data do governador Francisco Portela, desde quando residiam em Campos dos Goytacazes, viabilizou-se a emancipação da freguesia do Senhor Bom Jesus. Garantida a costura política para o governador Portela consumar a emancipação, o ato foi assinado no decreto nº 150 de 24 de novembro de 1890, concedendo a autonomia política e administrativa, a freguesia passou então à condição de vila do Itabapoana, sede do governo foi no Paço Municipal, o casarão que foi residência do Tenente José Teixeira, possivelmente tenha falecido após novembro de 1889. 


Sobre este período da história de Bom Jesus do Itabapoana, temos muitos detalhes graças a dois personagens icônicos desta terra, Antônio Dutra por ter transcrevido todas as atas das reuniões realizadas pelo conselho da intendência entre 1890 e 1892, e Luciano Bastos que recebeu as transcrições do filho de Antônio, o professor Pedrinho Dutra de saudosa memória, convertendo essas atas transcritas primeiro em artigos publicados no jornal O Norte Fluminense entre 1990 e 1993, e posteriormente publicadas em livro, denominado “De Município a Distrito”, lançado em 2008.


O governador Francisco Portela assinou o decreto de emancipação no dia 24 de novembro de 1890, e a instalação do município se deu no dia 25 de dezembro 1890 nomeando o primeiro Conselho de Intendência, com Pedro Gonçalves da Silva Júnior como o presidente do conselho, e os intendentes Francisco Teixeira de Siqueira Sobrinho, Manoel Antônio de Azevedo Mattos, Luiz Vieira de Rezende e Joaquim Teixeira de Siqueira Reis. 


Naquele momento em que a República estava instalada há mais de um ano, a constituição federal vigente ainda era a monarquista no regime parlamentarista constitucional, e a estrutura administrativa não se sustentava no sistema de separação dos três poderes, pois não havia o poder executivo, o conselho da intendência exercia simultaneamente o papel de legislativo e executivo, pois o presidente do conselho era o equivalente ao presidente da câmara de vereadores atualmente, e os intendentes que formavam o conselho exerciam o papel de vereadores nas deliberações na criação da primeira legislação de Bom Jesus do Itabapoana, e quem de fato exercia o papel executivo eram os ocupantes do cargos criados no primeiro ato administrativo do conselho de Intendência, no caso Secretário de Intendência, Procurador da Municipalidade, fiscais distritais, Inspetor de Cemitérios e Porteiro da Municipalidade.


Podemos assim interpretar que, o sistema de governo adotado na primeira emancipação de Bom Jesus do Itabapoana era uma espécie de parlamentarismo, e o primeiro ministro no caso seria o primeiro secretário, portanto, o primeiro executivo público da história de Bom Jesus do Itabapoana não foi Pedro Gonçalves da Silva Júnior como lhe é atribuído e sim José Cândido Fragoso, que foi nomeado como o primeiro secretário, mas submetido às deliberações do conselho da Intendência.


Pelas evidências históricas existentes neste processo emancipatório, podemos avaliar que não havia um consenso geral entre toda sociedade que compunha a freguesia do Senhor Bom Jesus do Itabapoana e seus arraiais, no caso Arrozal de Sant’Ana, Santo Antônio, Ribeirão do Pirapetinga e Liberdade, pois o decreto de emancipação constituiu o município em apenas dois distritos, a sede que deixou de ser denominada como Bom Jesus do Itabapoana para somente Itabapoana, e o segundo distrito que era o de Santo Antônio, passando então a se denominar como Santo Antônio do Itabapoana, segundo distrito de Itabapoana, atualmente Calheiros. 


No ato de instalação do município no dia 25 de dezembro de 1890, pouco mais de cem pessoas assinaram a ata de nomeação do conselho da intendência, sendo que haviam mais de quatro mil habitantes em toda a freguesia.


Resta evidente que havia uma cisão política neste processo emancipatório, quando se observa que a freguesia formada em 1862 junto com os arraiais do entorno foi fragmentada, perdendo mais da metade de seu território de exploração econômica, além de perder força política com os líderes desses arraiais que não participaram da emancipação. 


Está claro nas atas das reuniões do conselho de intendência, que os atos administrativos se relacionavam somente entre Itabapoana e Santo Antônio, sendo que as menções de propriedades localizadas em Ribeirão do Pirapetinga e Liberdade, se referiam aos levantamentos sobre as movimentações de cemitérios particulares, que provavelmente se situavam em fazendas que abrangiam também o território de Itabapoana, tanto que não se fazia levantamento sobre o cemitério, ou os cemitérios, de Arrozal de Sant’Ana.


Entre as proposições deliberadas na reunião do conselho de intendência no dia 15 de janeiro de 1891, destaco a do presidente Pedro Gonçalves da Silva Júnior versando sobre denominações de logradouros públicos, alterando o nome das duas praças e das oito ruas existentes na época, daquelas ruas que tiveram novos nomes, até hoje permanecem três, a praça Governador Portela, que era chamada de “Praça Principal”, a rua 15 de Novembro que era a “rua da Beira-rio”, e a avenida Tenente José Teixeira que era denominada como rua da Soledade. A atual rua Gonçalves da Silva era chamada pela metade da população de “rua dos Mineiros” até meados da década de 1990 no século XX, e esta tinha essa denominação até esta reunião que mudou seu nome para rua 25 de dezembro, mas mesmo assim a mesma permaneceu conhecida como a rua dos Mineiros. 


Uma breve observação histórica pessoal que abordo neste tópico, é sobre o fiscal do primeiro distrito que foi nomeado na primeira intendência, o sr. Joaquim José Verdan, cujo nome completo é Joaquim José Lima Verdan, marido de Maria Sueth Ramos, que são trisavós do autor desta obra, que vem a ser o primeiro tronco familiar dos Sueth e Verdan em Bom Jesus do Itabapoana, dentre seus filhos, tivemos Maria Lima Sueth, minha bisavó, que vem a ser mãe dos irmãos da família Sueth que se estabeleceu entre São José de Ubá e Bom Jesus do Itabapoana, meu avô Adelino Sueth, e seus irmãos que se notabilizaram em Bom Jesus e região como Mário Sueth, Aureliano Sueth, Mercedes Sueth, João Sueth e Luiz Sueth.


Um fato despertou curiosidade nesta deliberação, onde o proponente Pedro Gonçalves da Silva Júnior, que era casado com uma neta do Alferes Silva Pinto, d. Isabel Figueiredo, propôs trocar o nome da rua de Cima para rua Silva Pinto, em homenagem a Francisco da Silva Pinto, e esta foi rejeitada pelo conselho, o que me leva a conectar este fato com o possível desentendimento dele, Silva Pinto, com os devotos do Divino Espírito Santo na fundação da paróquia em 1862, pois entre os quatro intendentes, dois eram descendentes dos irmãos Teixeira de Siqueira, Francisco Teixeira de Siqueira Sobrinho e Joaquim Teixeira de Siqueira Reis, e esses podem ter se posicionado contrários com o apoio do intendente Luiz Vieira de Rezende, este por motivos conflituosos junto ao presidente Pedro Gonçalves, no qual será abordado mais adiante. A rua Silva Pinto existente atualmente, foi deliberada no início do século XX e em local diferente do proposto por Pedro Gonçalves.


A primeira intendência sob a presidência de Pedro Gonçalves da Silva Júnior, marcou o início da organização institucional e urbanística de Bom Jesus do Itabapoana, ao criar a legislação de posturas, o código tributário e seus mecanismos de taxação e impostos, o controle de óbitos, na nomenclatura das ruas e praças e na numeração das residências. 


Outro tema deliberado pela primeira intendência, é o imbróglio relacionado aos terrenos da paróquia que não tinham escrituras com as devidas delimitações, e entre as atas temos as discussões e aprovações de requerimentos e ofícios, com pareceres das comissões temáticas sobre a execução do trabalho de medição da área, realizados voluntariamente por um agrimensor, além da convocação dos três remanescentes dos doze cotistas a se manifestarem, e consequentemente lavrarem as escrituras. Mesmo com o início da tramitação deste processo em 1891, o mesmo não se concluiu, talvez pelos desdobramentos políticos que serão abordados mais adiante.


Em 1891 tivemos a terceira crise sanitária da então recente história de Itabapoana, a primeira de cólera-morbus em 1855, a segunda de varíola entre 1872 e 1874, e esta é tratada nos anais como “febre de mau caráter”, no qual encontrei no Google abordagens sobre febre amarela e varíola quando digitei o termo febre de mau caráter no final do século XIX no estado do Rio de Janeiro. São dois comunicados mencionando a epidemia vivida na época, um do governador Francisco Portela autorizando o município a empreender em despesas extraordinárias para socorrer os infectados, e outro do dr. Abreu Lima que se prontificou a prestar atendimento médico aos indigentes aplacados pela doença.


O que identifiquei nas pesquisas sobre febre amarela e varíola, é a incidência que cada peste atingia, a varíola aplacar as camadas miseráveis dos povoados, muito por conta das condições insalubres que essas pessoas viviam, e a febre amarela atingia os mais ricos, por conta de viagens e contatos com viajantes ou visitantes.


Em março de 1891 Pedro Gonçalves e Luiz Vieira demonstram que estavam em rota de colisão, ao constar na ata de uma das sessões daquele mês que o Coronel Luiz Vieira de Rezende havia pedido autorização para ausentar-se das reuniões do conselho por determinado período, com as devidas justificativas, e o presidente Gonçalves da Silva indeferiu o requerimento. A partir desta negativa, o Coronel Vieira de Rezende não mais retornou às reuniões do Conselho da Intendência, sem sequer formalizar a renúncia do cargo que ocupava. Também em março de 1891 ocorreram as primeiras eleições para deputados e senadores na república, e em Bom Jesus do Itabapoana tivemos entre os deputados estaduais, o Dr. Abreu Lima o mais votado, obtendo 332 votos, sendo que tivemos mais de noventa candidatos que obtiveram votos em Itabapoana.


Nessas eleições podemos aferir que em março de 1891, setenta e cinco por cento da população da Vila do Itabapoana residia no primeiro distrito, com vinte e cinco por cento residindo no segundo distrito de Santo Antônio do Itabapoana, quando observarmos que foram três urnas disponibilizadas para Itabapoana e apenas uma em Santo Antônio.


Em maio de 1891, o Coronel Elias Nunes é nomeado intendente, no lugar de Luiz Vieira que não mais retornou às reuniões desde março, evidenciando uma crise política entre os signatários da emancipação de 1890. 


Em 15 de agosto de 1891, foi instalada com muita festividade a primeira comarca de Itabapoana, decretada pelo governador Francisco Portela em dez de agosto, o judiciário teve como primeiro juiz de direito o Dr. Arthur Annês. Um evento deste vulto carecia de ter sua inauguração em um dia especial, com a cidade cheia, e foi justamente na Festa de Agosto que se deu a solenidade de instalação da comarca registrando aqui o segundo corte temporal sobre quando a Festa do Divino Espírito Santo passou de maio para agosto, sabemos agora comprovadamente que foi entre 1876 e 1890.


Em novembro de 1891 Antônio Lourenço Mathias assume uma cadeira do conselho de intendência, ocupando a vaga de Joaquim Teixeira de Siqueira Reis, sem saber o motivo da renúncia de Siqueira Reis.


No Brasil o ambiente político era profundamente turbulento com a renúncia do Marechal Deodoro da Fonseca da presidência da república, que ocasionou na renúncia do Governador Portela, que inevitavelmente refletiu na esfera municipal em Itabapoana. No lugar do presidente Deodoro da Fonseca assumiu seu vice, o General Floriano Peixoto, no lugar do também renunciado governador Francisco Portela, assumiu o Contra-almirante Baltazar da Silveira  interinamente. Essas mudanças impactaram diretamente na Vila do Itabapoana, sendo Baltazar da Silveira opositor de Francisco Portela e tendo como aliado em Itabapoana o Coronel Luiz Vieira de Rezende, que assumiu a presidência da segunda intendência, com a primeira sendo dissolvida pelo governador recém empossado, com sua última reunião realizada em 1º de dezembro de 1891. 


O Governador Baltazar nomeou a segunda intendência da Vila do Itabapoana em 07 de janeiro de 1892, tendo como presidente do conselho o Coronel Luiz Vieira de Rezende e os intendentes João de Souza Rodrigues, Ricardo da Costa Soares, Francisco Boechat e João Pedro Lengruber. Do primeiro conselho de intendência, apenas Luíz Vieira de Rezende participou do segundo conselho, mesmo assim pelo breve período de apenas três meses na primeira intendência.


Eleito em abril de 1892, em maio o governador Thomás Porciúncula decreta o fim da autonomia política e administrativa da Vila do Itabapoana, tornando-se o 10º distrito do município de Itaperuna. A segunda intendência durou apenas cinco meses, insuficiente para grandes deliberações, mas o suficiente para constatar a atmosfera conflituosa que predominava em Itabapoana, primeiro com a celeuma criada entre Pedro Gonçalves da Silva Junior e Luíz Vieira de Rezende, sobre os arquivos relacionados aos atos da primeira intendência, depois o conselho aprova proposições que tão somente visava desfazer o que foi feito na primeira intendência, como exemplo, a praça Governador Portela teve seu nome alterado em março de 1892, para a evasiva “praça Principal”, sem homenagear ninguém no lugar do governador que decretou a emancipação de 1890. 


A propósito, temos um impasse jurídico atualmente em Bom Jesus do Itabapoana, com a histórica praça Governador Portela tendo seu nome oficial como Praça Principal, a não ser que a partir de 1947 algum vereador corrigiu o erro, e retornou com o nome que é utilizado até hoje.


A decisão do governador Porciúncula por dissolver o município de Itabapoana, tornando distrito de Itaperuna, causou indignação na sociedade, e os personagens políticos que participaram de todo processo, se rebelaram e anunciaram a nomeação da terceira intendência, composta por João de Souza Rodrigues, José Boechat, João Pedro Lengruber, Carlos de Aquino Xavier, Luiz Vieira de Rezende, e Antônio Simplício de Salles, entretanto, tal ato não passou do campo simbólico para demonstrar a contrariedade da sociedade bom-jesuense, não tendo reconhecimento por parte do governo do estado, este movimento se encerrou neste protesto.


A primeira emancipação de Bom Jesus do Itabapoana foi um erro histórico, de proporções sociais e econômicas sem precedentes que resultou em profundos retrocessos, e que levou décadas para se reorganizar e reintegrar todas as comunidades rurais, mesmo depois da emancipação definitiva em 1938, Bom Jesus do Itabapoana ainda permaneceu fragmentado por muitos anos, com seus distritos em total estado de abandono institucional e social. 


A trajetória do desenvolvimento de Bom Jesus a partir de 1822 até 1890, descortinava o surgimento de um polo econômico regional, que se perdeu na euforia do golpe da república de 1889, com um grupo de jovens sonhadores postulando a emancipação sem se preocupar com a fragmentação, territorial e política, que teve consequências negativas nos desdobramentos do processo emancipatório, a partir de então, as riquezas e os legados históricos de Bom Jesus do Itabapoana, passaram a ser de propriedade jurídica do município de Itaperuna. Por outro lado, este cenário de retrocessos vividos no final do século XIX fez surgir personagens históricos que não se resignaram, eles se indignaram e foram à luta, fazendo o distrito obter autonomia política incomum para um distrito, através da habilidade política de figuras que surgiram no início do século XX, que também foram protagonistas no processo da definitiva emancipação de 1938.








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